sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Osteomielite crônica

O osso é bastante resistente às infecções, todavia esse mesmo osso quando infectado transforma-se em um desafio para cura. O trauma, a bacteremia, a cirurgia, e corpos estranhos quebram a barreira que mantém a integridade óssea o que propicia a osteomielite.
O conceito de osteomielite crônica envolve infecção diagnosticada em um hospedeiro por meses ou mesmo anos, caracterizada pela presença persistente de micro-organismos, inflamação, presença de seqüestro ósseo, necrose óssea (ausência de osteócitos vivos) fístula e perda de vascularização local. A recorrência de infecção em um mesmo sítio ósseo é sinal importante de osteomielite crônica.
Diagnóstico e procura do agente etiológico
Alguns sinais de osteomielite crônica incluem deformidade, instabilidade e sinais locais de dano da vasculatura óssea. Todavia, o diagnóstico dessa patologia é estruturado basicamente pelos achados clínicos, exames de imagem e com o suporte indireto de exames complementares como o VSG (velocidade de hemossedimentação) e a proteína C reativa. Os exames laboratoriais são inespecíficos e devem ser correlacionados com a história clínica, exame físico, epidemiologia do paciente e outros exames complementares.
O raio x convencional é importante tanto no momento do diagnóstico quanto no acompanhamento do tratamento. Pode mostrar edema de tecidos moles, redução ou aumento do espaço articular, destruição óssea e alterações do periósteo. A destruição óssea é uma achado tardio, levando geralmente entre 10 e 21 dias para ser detectado após o inicio da infecção. Tanto a ressonância nuclear magnética quanto a tomografia computadorizada mostram com excelente resolução as alterações ósseas características, mesmo quando o raio x convencional ainda está normal.
Em termos de imagem nuclear para diagnóstico a cintilografia trifásica com TC-99m é o exame de escolha devido a sua sensibilidade. Uma quarta fase, realizada 24 horas após a injeção do agente radioativo, pode ser realizada para aumentar a especificidade. O tecnécio 99m fixa-se em áreas com aumento da vascularização e formação óssea. A cintilografia trifásica com TC-99m apresenta quase nenhuma morbidade, sensibilidade de 69% a 100% e especificidade de 38% a 96%. O exame apresenta achados nas três fases na osteomielite quando comparada com artrite séptica e celulite que apresentam a terceira fase normal. A captação do contraste sugere osteomielite, todavia zonas sem captação (frias) apresenta valor preditivo positivo maior para a doença. 
Outros radiocontrastes são usados no diagnóstico de osteomielite, o principal é o Galium-67 que apresenta maior especificidade que o TC-99m, porém a exposição à radiação é maior. A cintilografia com leucócitos marcados com Indium-111 apresenta a sensibilidade de 88% e especificidade de 85% e não distingue osteomielite de infecções de tecidos moles. Exames falso-positivos podem ocorrer quando há trauma, artropatia diabética, gota e cirurgia prévia. Nessas circunstâncias, a especificidade encontra-se muito prejudicada. A ressonância nuclear magnética possui alta sensibilidade e especificidade e tornou-se a imagem padrão-ouro para o diagnóstico da doença. 
Biópsia Óssea – o padrão-ouro
O passo mais importante para o manejo da osteomielite crônica é a identificação do agente etiológico agressor (micro-organismo infectante). Para tanto, a biópsia do osso envolvido através de tecidos não infectados (pele íntegra) é o padrão-ouro para o isolamento do(s) germe(s). Amostra cirúrgica ou biópsia por agulha fina do tecido infectado fornece essa indispensável informação. A técnica da biópsia é crucial na acurácia para identificação do microrganismo. Antibióticos diminuem a sensinbilidade da biópsia óssea, sendo assim, o exame deve ser realizado antes de iniciar a antibioticoterapia ou após a suspensão dos antimicrobianos por alguns dias.
Uma vez realizada a biópsia, o material coletado dever ser levado para cultura de germes aeróbicos e anaeróbicos. Micobactérias e fungos também devem ser pesquisados pela cultura e exame direto. Para aumentar a sensibilidade do exame, idealmente cinco locais devem ser biopsiados na região suspeita. Tecido para congelamento também apresenta importante valor diagnóstico de osteomielite crônica, o achado de mais de cinco neutrófilos por campo de grande aumento indica infecção com sensibilidade de 43 a 87% e especificidade de 93 a 97%. A visualização de lesões granulomatosas com achado positivo para o método de Ziehl-Neelsen leva ao diagnóstico de infecção por micobacteriose, todavia a cultura continua sendo necessária para identificar o germe específico e seu perfil de susceptibilidade aos antimicrobianos. Preconizo solicitar para o material provindo da biópsia óssea o Gram, cultura, pesquisa de fungos e cultural, BAAR e cultura para micobacteriose, o frasco com o material deve conter água destilada. Em outro frasco, o espécime biopsiado do osso deve permanecer em formol e enviado à patologia. Pelo menos cinco fragmentos ósseos devem ser colhidos.
Os microrganismos isolados através de swab do óstio frequentemente são germes não responsáveis pela infecção dos ossos e tecidos mais profundos, esse procedimento deve ser fortemente desestimulado. O swab de óstio de fístulas comumente detectam germes colonizantes e não infectantes.
Hemoculturas fazem parte da avaliação inicial da osteomielite, apesar de seu baixo índice de positividade (menos de 50%). Idealmente o paciente não poderia estar usando antibióticos ou deveria suspender os mesmos 48 horas antes do momento da coleta. Esse mesmo preceito deve ser perseguido no momento de realizar a biópsia óssea.
Tratamento
O tratamento da osteomielite crônica inclui o uso de antimicrobianos, desbridamento com o manejo do espaço morto resultante e, se necessário, estabilização do osso por meio de fixadores externos. O antibiótico(s) escolhido deve ser administrado pela via parenteral após o resultado da coleta dos culturais e, quando empírico, deve obter cobertura para os agentes mais prováveis definidos pela história individualizada e perfil de sensibilidade local. 
Os antimicrobianos devem ser administrados nunca menos que quatro a seis semanas para atingir níveis aceitáveis de cura, sendo que as primeiras duas a quatro semanas pela via parenteral. Todavia, a suspensão dos antibióticos específicos deve passar pela avaliação clínica e laboratorial do paciente, por exemplo, o acompanhamento seriado do VSG e proteína C reativa. O tratamento da osteomielite é sempre individualizado, levando em consideração o germe infectante, local em que a doença se apresenta e hospedeiro. O uso empírico de antimicrobianos (sem realização de exame cultural) não esta indicado na osteomielite crônica já que o tratamento é longo, dispendioso e tóxico.
A cirurgia na osteomielite crônica consiste na remoção do sequestro ósseo e ressecção de todo o osso infectado e tecidos desvitalizados. A remoção de grandes quantidades de tecidos pode levar a instabilidade óssea e grande espaço morto.  Esse manejo requer especialistas.
As infecções crônicas associadas à prótese tem como regra geral a retirada ou substituição da prótese. Apenas infecções agudas de próteses podem ser tratadas de forma conservadora,  sem a retirada da mesma. A prótese quando retirada, assim como os demais materiais obtidos no transoperatório, devem ser levados -em ambiente estéril- para o laboratório e solicitado os exames bacteriológicos após a realização da sonificação. A reconstrução dos tecidos, as decisões de uso dos antimicrobianos, tempo de tratamento e os desbridamentos necessitam de uma equipe multidisciplinar.


Renato Cassol - Médico Infectologista
Porto Alegre - RS


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