segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Educadores na encruzilhada


Nós, professores, somos colocados nos dias atuais diante de um grande dilema, seja pelas exigências cada vez mais urgentes que a sociedade nos impõe, seja pelas velozes mudanças na educação, ou ainda pelas próprias imposições do ritmo acelerado dos conhecimentos que nos atropelam e assoberbam.
As questões abordadas por estas situações de cobranças, exigências e mudanças constantes nos colocam nessa encruzilhada, que se apresenta da seguinte forma:
a) Como atingir o atual objeto da educação? Ou seja, o conhecimento com sentido e significado, que surja a partir de uma construção na qual o aluno seja agente criativo, envolvido, atuante no seu processo de construção deste conhecimento?
Concordamos com Bordieu, quando afirma que em educação deve-se considerar o sucesso alcançado pelos alunos ao longo dos seus percursos escolares, não podendo este sucesso ser considerado apenas a partir dos seus dons pessoais, relacionados a sua constituição biológica ou psicológica particular, mas por sua origem social, o que os coloca em condições mais ou menos favoráveis diante das exigências escolares.
b) Como quebrar todos os paradigmas de nossa educação e formação na transmissão do conhecimento e encontrar sentidos e significados em outros “conhecimentos”, outras “culturas”, outros “olhares”, enfim, outro “caminhar”?

A escola hoje não pode ficar neutra como instituição na representação, apresentação e orientação destes conhecimentos, pois o que cobra dos alunos são, basicamente, os gostos, os valores, as crenças, as posturas de uma cultura dominante.
As opções de orientações não devem ser enfocadas numa abordagem meramente individual, mas numa visão global, cultural e coletivamente abrangente.
c) Como educar para as diferenças, quebrando os próprios conceitos pessoais e valores individuais? E educar para que o ser humano entenda-se numa sociedade de diferentes, onde mulheres e homens sentem, veem, compreendem de formas e maneiras diversas, entendendo que podem e devem conviver com os mesmos direitos e deveres?
Os negros sentem-se, nesta sociedade aparentemente sem preconceitos, discriminados, e, de certa forma, também reproduzindo o mesmo modelo, discriminando. Como sensibilizar nosso aluno para que compreenda, conviva, aceite e aprenda com este negro que ao mesmo tempo como ser humano tão igual é tão diferente dele? Sem haver discriminação e sem precisar ser objeto a ser utilizado e descartado como nas experiências vividas com alunos de 12 e 13 anos, que se posicionam em debates sobre o tema da seguinte maneira: “até acho as mulatas bonitas e gostosas, mas não me casaria e nem teria filhos com elas...”?
Como sensibilizar nossos alunos para que respeitem os diferentes em suas orientações sexuais, fazendo com que valorizem e respeitem o ser humano como ele é e não pelo que ele faz na sua vida privada? Ou seja como fazer com que nossos educandos não considerem o outro como algo a ser “tolerado”?
Devemos, por outro lado, considerar o aluno como ator social e culturalmente influenciado em todas as suas nuances, seja nos seus gestos, suas preferências, aptidões, as posturas corporais, a entonação de voz, as aspirações frente a sua vida pessoal e profissional. Tudo é relevante.
Deleuze e Foucault politizam de maneira radical as reflexões sobre o corpo, sob duas perspectivas:
1) O movimento de expansão externa impelindo cada corpo a se conectar direta e cotidianamente com as necessidades do mercado.
2) O movimento de expansão interna incitando cada um a voltar-se para o seu corpo, o controle e o aumento dos seus níveis de prazer.
O corpo alma e o corpo marketing transformam-se num material totalmente disponível às metamorfoses sonhadas por cada um.
Pergunto: Como educar para aceitação corporal do outro? Para o respeito às diversidades de orientações que detectamos hoje em nosso cotidiano com nossos alunos?
Encontramos tempo para os estudos, as reflexões, o aprendizado e enfrentamento do tema e das situações que se nos apresentam em nosso cotidiano ou não?
No excesso de afazeres vamos deixando estas questões fundamentais de lado em detrimento de algo “que se faz mais urgente” e que é mais valorizado na educação, ou seja, o olhar acadêmico, e os outros olhares onde se colocam neste momento? Será que são sempre deixados de lado, para depois, pois agora é a semana de provas, de recuperação, período de entrevistas com pais, entrega de conceitos, reuniões com a direção etc?
d) Como assumir seus valores pessoais? Aquilo em que se acredita inclusive transmitindo os próprios valores das instituições em contraposição aos recebidos pelos nossos alunos?
O escárnio, o descrédito, a falta de respeito, a impropriedade, o desrespeito corporal, o corpo explorado e exposto como instrumento de consumo e uso, a falta de percepção do outro, a falta de sensibilidade, estão presentes em grande parte das ações dos jovens em discrepância com os discursos tanto das famílias quanto dos alunos.
Como educar para que as famílias retomem seu papel fundamental e intrínseco da educação, instrumentalizando seus filhos para a habilidade fundamental de percepção do outro com as simples ações do conviver, como o “obrigado”, “com licença” ou ainda o “por favor”, sem falar no uso excessivo por parte de todos, rapazes e moças, das palavras chulas em público, diante de qualquer pessoa e situação?
Para Bordieu, o processo de construção do sujeito comporta um envolvimento histórico no sentido de apropriação do mundo material, carregado de valor simbólico por parte do corpo, corpo esse que ainda resta saber até que ponto é sujeito, ou se ele é coisificado. Eis aí um belo desafio de reflexão para uma nova proposta curricular. Esta é a encruzilhada em que nos encontramos.
Os professores devem, sim, se mobilizar para terem outros olhares e outras ações, e sobre estes novos olhares atuar de forma respeitosa, com procedimentos pedagógicos atuais, modernos, com ações instigantes, sem decorebas e sem valores rígidos que caracterizem ou reforcem o preconceito e a discriminação, ou ainda com visões reducionistas.
Um ensino com valorização e pertinência que atenda a todas as manifestações do saber, inclusive as culturais, religiosas e ideológicas, onde todos possam ser reconhecidos e valorizados.
Os professores devem ser desassossegados e desassossegar. Todas as formas de expressões devem igualmente ser consideradas por toda a comunidade e isto expresso no currículo e nas ações cotidianas deste fazer o currículo.
Do teatro, das manifestações corporais, esportivas e culturais, dos diversos conhecimentos teóricos aos práticos devem ter seu lugar, entretanto, podemos abrir mão do sonho na e da educação. Quem respeita, ouve, trata com gentileza, admite equívocos, valoriza acertos, se compromete, cumpre com compromissos e se compreende humanamente em todas as suas esferas como professores, alunos, pais, orientação e direção.
Neste momento estaremos na direção de uma saída da encruzilhada em que estamos, encontrando novos caminhos que destruam e superem os obstáculos, e desta forma vivermos o sonho proposto por Paulo Freire, citado por Sandra Corazza, em que “dependemos do sonho, mas também da autenticidade que depende de lealdade de quem sonha as condições históricas, naturais aos níveis do desenvolvimento tecnológico, científico, do contexto do sonhador”. 

Autor: Athos Lucas de Souza Filho-
professor de Educação Física
Fonte: consumidorrs

Nenhum comentário:

Postar um comentário